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"Ao fundo sou eu, mas será verdade / que sou? O fundo é que me inventa? / Terei mesmo essa identidade / feita de tinta apenas?" Palavras que respiram por Miguel Marvilla

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

ZERO, de Douglas Salomão

Como resumir um livro de poemas que não contém títulos, com distribuição tipográfica em que o branco da página também enuncia seu silêncio, com o capricho das formas lembrando os concretistas da década de 50 e, mais recentemente, sob os influxos midiáticos que intervêm na poesia performática de um Arnaldo Antunes? Inicia-se o livro com duas epígrafes: uma frase do escritor-crítico Maurice Blanchot e um poema concretista do Augusto de Campos. A epígrafe inicial anuncia a ruptura que permeará os mais de 80 poemas de Douglas Salomão: “Escrever é quebrar o vínculo que une a palavra ao eu”. Significa que os poemas não devem ser lidos pela ótica subjetiva, pois a presença do “eu-lírico” será constantemente apagada para falar mais alto a estética formal que permeia os poemas. Já o poema de Augusto de Campos configura a influência que persegue os textos poéticos do livro, na forma de um zero, que aparece como palavra e como imagem no que se convencionou chamar poema concreto, mas que realiza no aspecto grafo-icônico o conteúdo que almeja: o nada.
 
O ideário estético de Douglas Salomão inclui-se nessa linha de Augusto de Campos. Embora não tenha aderido totalmente à ruptura do verso tradicional, há alguns poemas que refletem essa estética.
Esses poemas visuais, portanto, longe de pertencerem a um estética dita “original”, fazem a releitura dos poemas de vanguarda do século XX, desde o cubo-futurismo, passando pelo concretismo brasileiro até chegar na poesia multimídia de Arnaldo Antunes, agora também representada na poesia de Douglas Salomão. Com já dito anteriormente, uma das propostas do livro é o distanciamento entre a palavra e o sujeito lírico (o “eu” do poema); no entanto, Douglas Salomão não segue à risca esse projeto estético, como impossibilidade de agregar-se a uma única estética neste início do século XXI. O apagamento do sujeito lírico, como já intentaram antes os poetas modernistas, não significa antilirismo. Pelo contrário, o lirismo se apresenta na voz que arruma as imagens e as contempla com certo distanciamento, sem perder, entretanto, sua identidade como persona lírica.

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