Nasceu em meados da década de 30. Como toda jovem de sua
geração, recebeu uma educação doméstica primorosa, desde cozinhar os pratos
mais elaborados até executar os sofisticados bordados com linha de seda, sem
esquecer as lições de piano, como também as agulhas de tricô e crochê, o
capricho de manter a casa limpa, a máquina de costura a pedal que muitas vezes
a transformava em provedora da família; tudo isso sem negligenciar a extensa
prole que educava com carinho e zelo – por vezes excessivo – mas sempre zelo.
Sua profissão: prendas do lar.
Namorou cedo. Casou cedo. Teve uma festa simples, sem batom –
porque o rígido pai não permitia maquiagem – sem, no entanto, deixar de ser uma
das mais belas, no viço de seus dezessete anos, com direito a dama de honra, a
bolo de três andares e a séquito de convidados. As noivas iam a pé para a
igreja, honrando a plateia sem convite com sua passagem de princesa. Era época
em que se sonhava possuir uma casa ensolarada, com cortinas esvoaçantes de voil e limpinhas e com cheiro fresco e
companheiras de um ambiente feliz.
Foi feliz, mas logo, logo percebeu a realidade nada
romântica da convivência. Nunca arredou de suas ideias, que ainda segue, depois
de criados os filhos e nascidos os netos. Agora aguarda a chegada da terceira
geração. Viúva, cuida da saúde e não se
descuida do corpo, pois a mãe sempre lhe dizia que “quem não se ajeita, por si
só se enjeita”. Pinta seus cabelos, suas unhas e nunca desce de seu salto, não
mais o quinze, mas no mínimo uns quatro centímetros, ancorados no modelo anabela.
A passagem da vida conserva ainda a antiga beleza retratada em um pôster pendurado
na parede do corredor de seu apartamento, mas no inverso de Dorian Grey, porque
sua alma bondosa acrescentou-lhe as rugas e fixou-lhe o caráter de retidão no
qual se espelham os familiares.
A moda: usava muito “tailleur”. Usava luvas e casquetes nos
eventos mais chiques, como a ópera e os casamentos. Aderiu às calças compridas,
sempre com a elegância dos clássicos de outrora. Hoje escolhe roupas e bijuterias
coloridas, acessórios infalíveis para emoldurar
sua feminilidade. Mas, sobretudo – pasmem –, usa a internet. Atualizada,
tem contatos no Skype e no Facebook. Claro, com assessoria. Ainda não tem smartphone, mas sonha com um notebook ou um tablet, a exemplo de seu irmão mais velho, completamente “high tech”.
Quando faz uma postagem na timeline de parentes e conhecidos,
surpreende pela atualidade. É uma bisavó
tradicional, mergulhada na contemporaneidade. Não é a única, certamente, que rompeu
as barreiras que o suposto tempo poderia impor. Sim, é uma bisa que tem
Facebook.
Virgínia
Albuquerque
Em 4 de maio de 2013